domingo, 5 de outubro de 2014

Eu só vim pra votar

Tenho 26 anos. Moro no mesmo bairro há quase 19 anos. Meu condomínio possui mais de 20 prédios, sendo que cada um possui 16 apartamentos. Não fiz o cálculo de quantos moradores há no meu condomínio. Há 11 anos, somando ensino médio, faculdade e vida adulta, estudo/trabalho em outra cidade e praticamente não conheço os "novos" moradores no meu condomínio. Por ser criança, na época, já não conhecia nem metade dos antigos moradores, salvo os pais das minhas amiguinhas e vizinhos do meu próprio prédio.

Há dez anos sou eleitora. Comecei a votar com 16 anos mesmo, após ficar 7h numa fila para tirar meu título, aquela vontade que os jovens têm de fazer a diferença coisa e tal. Há dez anos, então, voto aqui no bairro mesmo, no mesmo colégio estadual de ensino fundamental, localizado a algumas quadras do meu condomínio. Há dez anos, de dois em dois anos, neste colégio é feita uma verdadeira reunião de vizinhos, que mesmo sem nunca terem falado com você, de repente te conhecem como se fossem seus amigos íntimos.

Antes que eu pareça antipática, o que de fato talvez eu seja aos olhos de algumas pessoas: cumprimento pessoas que conheço e gosto, quando as enxergo - infelizmente, o mundo não é tão nítido para os míopes. Tenho vizinhos legais e acho que eles me acham também uma pessoa legal, apesar de não enxergá-los às vezes. Porém, com toda a sinceridade, zero é minha paciência para bater papo com pessoas com quem nunca falei - e que também nunca fizeram questão de falar comigo.

***
 
Hoje é domingo. Fui votar com fome, sem ainda almoçar, por volta das 14h. Fui dormir às 5h e havia acabado de acordar. Não me julguem, é meu último dia de férias e passei a madrugada numa maratona tensa de "The Following" (assistam). Nessas condições, o humor de uma pessoa já não é normal. Pelo menos, não o meu. Resolvi ir andando, e não gosto muito de andar quando na verdade quero dormir mais. Cheguei ao colégio, achei rapidamente a sala de votação e entrei na fila. Claro que havia pessoas do meu condomínio por todo o lugar. Na porta, havia uma delas. Eu não sei o seu nome, e até o momento ela também não sabia o meu. Nunca nos falamos, e suas filhas não tinham a mesma idade que a minha quando eu ainda brincava pelos parquinhos de nossa moradia. Mas como sabia que ela era daqui, dei um sorrisinho de boa tarde, como prova de minha simpatia. Depois, fiquei quieta, esperando o momento de votar. Ela pegou meus documentos para autorizar a entrada, e quando leu os nomes de meus pais, seu rosto se iluminou. Claro, ela conhecia meus pais. Todos conhecem. Ninguém me conhece.

"Como estão seus pais?", ela perguntou, dizendo o nome de papai enquanto olhava meu RG.
"Estão bem, já votaram de manhã, eu que deixei pra agora mesmo", respondi, ainda dando um assunto a mais, para provar que não sou antipática.
"Tempo que não vejo sua mãe", ela disse, enquanto a minha expectativa era de que o assunto (se é que ele existia), não prosseguisse. Eu só queria votar e voltar, a fome crescia e eu queria continuar assistindo à "The Following".
"É, ela fica muito em casa", informei, pensando que agora sim o assunto ia acabar e eu ia votar. Mas a pessoa que ainda estava lá dentro assinando o caderninho antes da votação demorava demais.
"E você, já casou?"

PARA TUDO. Essa conversa evoluiu rápido demais. Sempre fico me perguntando por qual motivo essas perguntas surgem no meio de outros assuntos, do nada, vindo de pessoas que às vezes nunca se preocuparam em te dar um "bom dia" - não que eu tenha me preocupado, mas nunca interroguei ninguém sobre assuntos pessoais. Seria para comparar com a própria vida? Seria, para depois, contar vantagem do tipo "olha, minha filha já noivou casou teve filho etc e a filha de fulana ainda tá solteira etc", como se ainda isso fosse vantagem e estivéssemos na década de 1960. Como se casar fosse a principal realização de uma mulher depois dos 20. Porque ela não me perguntou se eu já tinha formado, se eu estudava, se eu trabalhava, quiçá se eu tinha um namorado lindo e maravilhoso (o que eu tenho)???????? Sim, muitas interrogações.

"Não, tá cedo ainda", respondi, dando uma justificativa que nem era necessária.
"É né, mas hoje em dia as meninas tão casando tão cedo", ela disse. Não sei se havia reparado na minha data de nascimento no RG. 

Várias respostas passaram pela minha cabeça: "defina CEDO", "e daí?", "problema é delas", "foda-se", "ce acha que tô velha, por acaso?", "se você pagar meu casamento e me der um apartamento, caso mês que vem", etc. Porém, falei:

"É, né."

Benzadeus, a mulher dentro da sala finalmente votou e eu entrei, me livrando de mais interrogatórios de uma pessoa que nem sabia meu nome há cinco minutos. Votei, saí e dei tchau para a vizinha, sorrindo. Afinal, não é nada pessoal, eu só não entendo mesmo o sentido dessas conversas. Só fui lá pra votar.

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